O número de suspeitos mortos pela Polícia Militar de São Paulo subiu 44% em maio - o mês que antecedeu uma onda de violência contra policiais em junho, na qual oito PMs foram mortos, cinco bases atacadas a tiros e 15 ônibus queimados na Grande São Paulo.
Segundo especialistas ouvidos pela BBC Brasil, uma explicação possível para esse cenário é que a onda de violência contra policiais seja uma retaliação do crime organizado ao aumento da letalidade da Polícia Militar.
Segundo dados da Ouvidoria da Polícia, 36 pessoas foram mortas por mês pela PM entre fevereiro e abril. Em maio, o índice saltou para 52 casos (alta de 44%). Depois, voltou a cair em junho (29 casos) - o mês em que os policiais foram atacados.
Em relação ao mesmo período do ano anterior, a alta do mês de maio foi de 13%.
Os números se referem a casos de "resistência seguida de morte", ou seja, suspeitos mortos após supostamente terem tentado reagir à prisão.
Todos os policiais militares vítimas da onda de violência em junho foram mortos quando estavam fora do serviço. Segundo a Ouvidoria da Polícia, foram registradas dez mortes de PMs nessa condição, contra seis no mês de maio.
Dados divulgados na quarta-feira pela Secretaria de Segurança Pública de São Paulo mostram ainda que em meio a essa escalada da violência entre policiais militares e criminosos, o número de vítimas de homicídios no Estado aumentou 33% no mês de junho.
Foram 434 pessoas mortas em junho deste ano contra 324 no mesmo período do ano passado. Esse número não inclui casos de homicídios nos quais policiais figuram como autores ou vítimas. Porém, pode englobar assassinatos ainda não esclarecidos nos quais pode haver envolvimento de agentes da lei.
Uma das práticas adotadas por alguns grupos de policiais militares desonestos em São Paulo é formar esquadrões de extermínio para realizar execuções extrajudiciais.
A maioria dos alvos são supostos traficantes usuários de drogas que atuam em bairros periféricos. Os policiais agem sem farda e mascarados, para dificultar sua eventual identificação.
A Polícia Civil já identificou ao menos três grupos como esses, que atuavam nas zonas norte e leste de São Paulo e também na cidade de Guarulhos.
A ação mais recente de grupos desse tipo pode ter ocorrido em 12 de julho em Osasco, na Grande São Paulo. Segundo o delegado local, oito pessoas foram assassinadas a tiros por homens mascarados em um carro e uma moto. Ele identificou "fortes indícios" de envolvimento de policiais militares no caso.
PM X PCC
Em declarações feitas entre junho e julho o governo paulista negou a existência de uma relação direta entre a suposta violência da PM e os ataques praticados contra policiais.
Setores de inteligência das polícias civil e militar investigam se a onda de violência contra a PM foi resultado de rixas entre traficantes de drogas e policiais ou uma ação planejada pela facção criminosa PCC (Primeiro Comando da Capital).
No fim de maio, o conflito entre a PM e o PCC se intensificou após a Rota - unidade de elite da corporação - matar seis integrantes da facção que planejavam resgatar um detento. Um deles teria sobrevivido ao tiroteio inicial e sido supostamente executado a tiros pelos PMs no caminho para o hospital, segundo um delegado do DHPP (Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa).
Segundo Martim de Almeida Sampaio, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil), é possível interpretar a onda de violência contra PM como uma retaliação às ações duras da corporação.
Para o ouvidor da polícia, Luiz Gonzaga Dantas, o pico no número de assassinatos cometidos pela PM pouco antes do início da onda de violência contra policiais pode ser uma coincidência.
Porém, ele diz não ser possível descartar a hipótese de retaliação do crime organizado.
"No momento em que policiais agem fora da lei há uma represália da parte do crime, que é o que pode ser que tenha havido nesses momentos em que a gente observa ataques de um lado e ataques de outro", afirmou Dantas.
Uma carta apreendida com uma liderança do PCC que cumpre pena no sistema prisional reforça a hipótese de retaliação do PCC.
Nela, o condenado Roberto Soriano prega a violência contra a PM após se dizer insatisfeito com uma ação da Rota.
Eleições
Segundo Sampaio, em anos eleitorais como 2012 as autoridades do governo tendem a fazer "vistas grossas" para o tema da letalidade policial, pois a classe média tenderia a acreditar que policiais mais violentos são mais eficientes.
"A polícia mais dura, infelizmente, dá mais votos no Brasil. Os políticos olham (para o assunto) com tolerância. É o caso de São Paulo", disse.
Já na opinião de Melina Risso, diretora do Instituto Sou da Paz, é difícil fazer uma relação direta entre votos e a violência policial. "A gente observa uma preocupação e uma cautela do ponto de vista da classe política de assumir a responsabilidade em relação à segurança pública. Segurança é um tema muito sensível, qualquer caso de grande repercussão chama a atenção de forma bastante negativa", disse.
Segundo ela, o discurso de apologia à polícia que mata não tem mais espaço na discussão eleitoral, porém autoridades do governo falham ao não condenar publicamente os assassinatos cometidos por policiais.
"Quando é um caso de claro equívoco como o do publicitário (Ricardo Prudente de Aquino, assassinado a tiros em seu carro ao não obedecer uma ordem de parada da PM na semana passada) todos se manifestam, mas deveriam se manifestar em todas as ocorrências que resultam em morte", disse.
Segundo ela, como as cúpulas da segurança pública e do governo não fazem manifestações claras de reprovação à violência da PM, os policiais militares ficam com uma sensação de que "está tudo bem" quando um caso acaba em morte.
Ela cita como exemplo de mensagem simbólica negativa, dada pela cúpula da segurança pública paulista, a nomeação para o comando da Rota do coronel Salvador Modesto Madia, um dos réus do processo pelas 111 mortes de detentos no episódio do massacre do Carandiru, em 1992.
Risso diz ainda que a condenação pública da violência policial deve ser acompanhada por melhor treinamento dos policiais e medidas de controle e punição para militares envolvidos em ações de violência.
Outro lado
O governo de Geraldo Alckmin não comentou as declarações dos ativistas. Mas, a SSP-SP (Secretaria da Segurança Pública) afirmou por meio de nota que o índice de letalidade da PM foi reduzido em 5% no primeiro semestre de 2012 em comparação ao mesmo período do ano anterior.
Segundo a pasta, 241 pessoas foram mortas pela PM nos seis primeiros meses de 2011 e 229 no mesmo período deste ano. O número de feridos, por sua vez, aumentou de 153 para 191 (diferença de 25%).
A Secretaria da Segurança também afirmou que "ao contrário do que se imaginou pelos noticiários, o mês de junho de 2012 apresentou uma redução muito significativa de mortes em relação ao mês de maio: - 44%". Em relação ao mesmo período de 2011, a queda foi de -53%.
A SSP-SP afirmou ainda que 79% das pessoas que participaram de confrontos com as polícias no primeiro semestre não morreram e 30% saíram ilesas.
"São Paulo encerra o semestre com a segunda menor taxa de morte por ocorrência de prisão/apreensão da década: uma morte por 306 prisões e apreensões – taxa superada apenas por 2005 (1/326,8)."
Fonte: BBC Brasil
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